sábado, 27 de julho de 2013

Arrependimento mau caráter

_ Quando finalmente o segurei em meus braços, e olhei para ele, tão pequeno, indefeso e lindo, foi o dia mais maravilhoso da minha vida. Foi quando entendi porquê é possível o sol se abrir mesmo com chuva caindo: sorri e chorei ao mesmo tempo. Aqueles pezinhos gordinhos e branquinhos que mais pareciam um pão de leite davam muita vontade de morder, e seu pai não ficou a desejar quando chegamos a nossa casa. – Sorriu olhando para baixo, como se estivesse voltando no tempo, lembrando daquele momento. - Dei uma festa cheia de doces, salgadinhos. Havia até bexigas. Até então minha vida nunca havia sido tão feliz... E nunca seria, se eu não tivesse uma criança que jamais poderia sair de mim.
A amiga ouvinte tentava conter a emoção com as lágrimas que queriam saltar dos olhos. Mas mais difícil que contê-la era deixar aquele aperto de lado, a que qualquer um daria o nome de arrependimento mau caráter.
_ Como se sentiu quando soube que não podia engravidar? – Por fim perguntou.
_ Foi triste. Mas desde que eu conseguisse adotar uma criança, entenderia que era preciso que eu fosse estéril, pra que esta pudesse ter uma família. E assim foi. – Não parava de sorrir – E eu o amo tanto, Arlete, tanto!  Meu Ivanzinho. – Disse quase que para si mesma, abraçando uma almofada e olhando o retrato do garoto de agora 15 anos, que estava na estante da sala logo à frente delas que estavam sentadas no sofá.
Arlete engoliu o choro.
_ Ele teve muita sorte de encontrar uma mãe amorosa e carinhosa como você. E um paizão atencioso e calmo como seu marido. – Comentou de todo coração.
_ Nós é que tivemos sorte, minha amiga. Felicidade para eu e meu marido não existiria com a ausência desse pequeno. – O sorriso que tanto esboçou o tempo inteiro deu lugar a uma singela e pesadinha lágrima agora.
_ Ah, meu Deus, me esqueci que tenho um compromisso daqui a pouco e estou atrasada. – falou num repente conferindo o relógio no pulso.
Despediram-se. Arlete já na rua e de costas para a casa humilde, mas cheia das coisas mais ricas da vida, pôde chorar fervorosamente. Não sabia se voltaria a se falar com Marta. Seria difícil depois de tanto procurar e descobrir secretamente que Ivan é seu filho biológico que havia abandonado ao nascer porque o marido carrasco e beberrão mandou. Estava arrependida racionalmente. Mas seu coração ainda sim preferia o homem. Ou o contrário, quem sabe – Digo arrependida emocionalmente.
Tinham pena dela os estranhos que a viam caminhando ao pranto pelas ruas. Mas é porque não sabiam que apesar de um choro arrependido, ela preferiu um homem ao filho.

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